Não há coincidências!

Não há coincidências.
Quarta-feira conheci o Osvaldo Amado.
Os seus vinhos já faziam parte das minhas opções, mas só agora entendi a sua essência nos vinhos.
É surpreendente constatar como a personalidade do enólogo fica visível nos vinhos que produz.
Conheci o senhor Bairrada a apresentar Dão. 
Fui à Prova Casa de Santar, e à porta fui recebida por este enólogo de sorriso fácil e efígie gentil.
A prova iniciou-se com um brinde com espumante da Vinha dos Amores, produzido com a casta Touriga Nacional. Bolhinhas de prazer dentro de um copo, onde os perfumes de fruta vermelha e de biscoito tostado namoram descaradamente na boca.  Quando o bebi, senti "o efeito Peta Zetas", o paralelo usado pelo Osvaldo para descrever o deleite sentido na boca desta mousse de bolhinhas sofisticadas. 
O Espumante Vinha dos Amores Touriga Nacional é um espumante blanc de noirs.

Blanc de Noirs?

Quando um vinho branco é produzido com uvas tintas, a expressão francesa Blanc de Noirs é usada para descrever o estilo. A polpa das uvas tintas, com a excepção de algumas castas, tem a límpida cor verde clara, que produz um vinho incolor que se mantém nestas condições desde que o contacto entre o mosto (o líquido que resulta do esmagamento da uva) e a pele desta seja mínimo. Visualmente, o resultado obtido é um vinho branco, com uns brilhos acobreados ou até mesmo com tonalidade rosa, devido a algum pigmento que possa ter sido transferido da pele para o vinho. Na boca, o estilo Blanc de Noirs resulta num espumante mais encorpado, denso e com notas de frutos vermelhos, as características próprias de um vinho tinto. 
Por contraposição, quando as uvas usadas são brancas, o resultado é um espumante Blanc de Blancs mais leve e festivo.

De forma sucinta, o espumante produzido pelo método clássico é feito engarrafando um vinho já pronto, vinho de base, com leveduras e açúcares fermentáveis, uma mistura a que se chama licor de tirage, que promove uma segunda fermentação, originando o efeito da efervescência e a base da sua complexidade. Este processo acontece com as garrafas numa cave com características especiais. 
Esta segunda fermentação dá origem a sedimentos, que permanecem no vinho durante o seu estágio de meses ou anos, característica que depende do carácter que cada produtor pretende dar ao seu espumante. Um espumante chamado Reserva tem um estágio na garrafa entre 12 e 24 meses, um Super Reserva estagia entre 24 e 36 meses e um velho Reserva tem um estágio superior a 36 meses. Durante este processo, dá-se a remuage, que consiste em rodar e inclinar a garrafa suavemente, até esta, que inicialmente se encontrava deitada, terminar na vertical e com a carica para baixo e com os sedimentos ai depositados. 
O estágio, as castas, o licor de tirage, o tempo de estágio, o licor de expedição, o tipo de remuage, que ocorrem dentro de uma garrafa, fazem com que cada espumante seja único e que cada casa possua a sua própria assinatura e carácter.  
Por fim, procede-se ao déorgement, que consiste em retirar a carica ou rolha provisória, e extrair os sedimentos depositados, ficando o espumante límpido. Neste processo, é removido um pouco de espumante, que é compensado com a adição do licor de expedição. Findo o processo, procede-se à rolhagem, à muselletage (a colocação da gaiola de arame) e à poigettage (o sacudir da garrafa para o licor se imiscuir com o vinho). O licor de expedição é o que define o espumante quanto à quantidade de açúcar, e é designado por Bruto Natural por não haver adição de açúcar no licor de expedição, Extra bruto (com a adição de menos de 6 g/L de açúcar), Bruto (menos de 12 g/L de açúcar), Extra Seco (entre 12 e 17 g/L de açúcar), Seco (entre 17 e 32 g/L de açúcar), Meio Seco (entre 32 e 50 g/L de açúcar) e por fim, o Doce com mais de 50 g/L de açúcar, e que pessoalmente não consigo apreciar.

Retomando, o espumante do Osvaldo. Este Quinta dos Amores é apenas uma segunda edição, pois só é produzido em anos excepcionais com somente 30% do sumo da uva, o mosto flor, das já de si especiais uvas da vinha desta casa. É um Grande Reserva, pois o seu estágio é de 48 meses em cave, e é Bruto, pois possui menos de 12 gramas de açúcar por cada litro de vinho.

O segundo copo de prova foi o Casa de Santar Reserva Branco de 2016, um vinho com Encruzado, a senhora casta do Dão, Malvasia Fina e Cerceal. Doze meses depois de ser produzido, este vinho foi posto à venda, e vai morar na minha garrafeira. 
Sucedeu-se a Vinha dos Amores Encruzado Branco de 2016, um vinho produzido com uma das castas que o Osvaldo considera Uma Senhora Casta, e que deu origem a um vinho gordo, untuoso e muito presente. A sua acidez é deliciosa num fim de boca longo.
Segui para o Casa de Santar Reserva tinto 2013, onde ao primeiro suspiro senti notas de musgo, e a minha boca desfrutou de uma acidez brutal, com sabor a canela, especiarias em que os taninos estavam presentes e sedosos, num vinho pouco extraído e de castas tão presentes como o Touriga Nacional, o Alfrocheiro e o Aragonez. O Osvaldo explicou que as notas de musgo são o reflexo de um ano com muita chuva, que diferencia as uvas de um ano para o outro.
Num crescendo de opacidade no copo, passamos para o Vinha dos Amores Tinto de 2013, um vinho produzido com Touriga Nacional. Este vinho foi uma autêntica surpresa! Como um dos Amores é uma cuidada sedução que começa com a evolução dos seus aromas de menta e petróleo, que com o passar dos minutos se transforma em frutos do bosque e frutos vermelhos bem maduros e  compotados.
Terminei com o Outono de Santar, a melhor colheita tardia que provei na última temporada. Um brinde cheio de manteiga, amêndoas, uvas passas, alperce seco e flor de laranjeira, untuoso e equilibrado, que se mantém meigamente na boca, entre sorrisos e conversas amigas.
Que maravilhosa forma de terminar a noite.
No dia seguinte e a 300 Km de distância do evento rumo ao sul, da janela do meu carro enquanto estacionava no meio de coisa nenhuma, sou saudada familiarmente. Outra vez, o Osvaldo a sorrir-me! Duvidei do meu olhar! Impossível! Incrivelmente, o restaurante que escolhi ia apresentar outro projecto deste senhor, o Sudd, e eu sem saber fui participar na nova degustação. 
Sudd é uma empresa sediada em Palmela que distribui pelo mundo alimentos mediterrânicos feitos em Portugal, entre eles o vinho.
O Osvaldo produz para este projecto vinhos de regiões vitivinícolas diferentes. 
No meio de uma natureza sem fim, rodeada de xisto, árvores e pássaros, numa aldeia abandonada no tempo, foi servido Sudd em forma de queijo, azeite, e vinhos.
Com a assinatura do Osvaldo, bebi um Vinho Verde branco, um Alentejo tinto e um Dão branco, o meu preferido, servido com um soberbo caril de Gambas, o motivo inicial que me conduziu àquele restaurante. Na sobremesa, a compota de abóbora com nozes Sudd mostrou a sua graça ao ser acompanhada por um Vinho do Porto ainda amostra, numa noite que terminou rodeada de boa companhia, de estrelas e de fados de Coimbra.
A vida é um emaranhado de caminhos, cheios de desvios, que por vezes, nos transmitem a sensação de momentos bem vividos.


Até breve,




Menina do Livrinho . wine

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