Biaia, uma beirã para beber

Biaia era o nickname carinhosamente dado a D. Beatriz de Sousa Lopes, a jovem proprietária da quinta no século dezassete.
Carinhosamente é como ainda cuidam da centenária Quinta da Biaia (carregar para visitar a quinta) em pleno século vinte e um, os três proprietários do projeto, Luís Leocádio, Ricardo Lopes Ferro e Carlos Flor, os dois últimos herdeiros de D. Beatriz. A quinta possui cem hectares, onde vinte e nove são dedicados a uvas, entre as quais se encontram as vinhas da Alvandeira, as vinhas do Souto e as vinhas das Lameiras.

A herdade encontra-se na encosta de Figueira de Castelo Rodrigo, uma vila beirã cheia de lindas lendas (carregar para ler as lendas), onde se produz vinho com certificação biológica e vegan, a cerca de 750 metros de altitude.

A verdade é que a Região da Beira Interior precisa, pela sua altitude, pelo clima e pelo seu terroir, de poucos tratamentos fitossanitários — tratamentos que previnem as doenças da vinha: Míldio, Oídio, Podridão Cinzenta, Black Rot, ...— como se pode concluir pelos dois tratamentos ministrados nesta quinta versus os catorze tratamentos ministrados numa outra quinta na Região do Douro, pelo enólogo Luís Leocádio.

Um pouco de história para winephilos | Tipos de vinho

Vinho Vegan: Um vinho vegan é um vinho produzido como qualquer outro vinho e não se reconhece nenhuma diferença organolética. A diferença é processual e ocorre após a fermentação, quando o vinho ganha uma turvação, partículas sólidas resultantes do mosto. Num vinho dito normal, o enólogo recorre a produtos enológicos com origem em proteínas animais, como por exemplo, a albumina da clara do ovo ou a gelatina com origem em peixe, que “agarram” estas partículas e as levam para o fundo do depósito, para serem removidas posteriormente. Aqui, nos vinhos vegan, reside a diferença, uma vez que os produtos usados para esta “colagem” são de origem vegetal, como por exemplo os provenientes das ervilhas. A distinção dá-se no processo de produção de vinho.

Vinho Biológico: Um vinho biológico (por vezes, designado orgânico) é produzido com uvas biológicas, ou seja, de vinhas sem qualquer herbicida, pesticida ou produto sintetizado, utilizando-se somente e se necessário, caldas à base de cobre e enxofre. Também há controlos no processo na produção de vinho. Os enólogos têm de intervir o menos possível no processo de vinificação e reduzir os limites de sulfitos ou sulfuroso. Desde 2012 que estes valores estão legislados a nível europeu. O trabalho realizado na adega e a qualidade deste, definem um bom vinho biológico. Aqui a intervenção (distinção) é na vinha e no processo de produção.

Vinho NaturalUm vinho natural tem como único ingrediente a uva. Teoricamente, “será a expressão máxima do terroir”. Uma frase um pouco batida e vazia, porquanto eu acreditar na viticultura e na enologia para alcançar esse conceito. Não existe regulamentação para este vinho, no entanto por uma espécie de consenso geral, este vinho é o mosto da uva de vinhas biológicas que fermenta com  as leveduras naturais e sem qualquer intervenção. Por vezes aparecem vinhos com defeitos evidentes.

Vinho Biodinâmico: Um vinho biodinâmico é produzido com uvas de produção biológica e seguindo a filosofia antroposófica de Rudolfo Steiner, lançada em 1927, que não é um processo agrícola, mas uma ideologia ou visão do mundo — o conhecimento do homem está aliado à fé e à ciência. Tudo o que se passa na vinha e na adega é regido pela posição dos planetas e das fases da lua, tornando-se num ecossistema autossustentável e autorregulado. As forças cósmicas, em especial da Lua e do Sol, determinam quando realizar as intervenções: a poda, a fertilização, a vindima, a vinificação e o engarrafamento, entre outros.  Aqui valoriza-se o solo e a planta no seu habitat natural, através de preparados e compostos de origem vegetal, animal e mineral, que se aplicam em doses homeopáticas. Os preparados biodinâmicos de plantas medicinais previnem as doenças nas plantas. A cobertura verde entre as filas de videira faz o controle de nematoides e protege o solo. A adubação é verde e os resíduos orgânicos são reciclados e retornam ao sistema. O calendário biodinâmico é usado para a realização das atividades vitivinícolas. É um processo complicado, que exige investimento, tempo e atenção. Todos os envolvidos devem viver segundo os princípios da biodinâmica. Não está proibido o uso de sulfitos, mas são usadas quantidades mínimas, principalmente antes de engarrafar. O vinho Domaine de La Romanée-Conti é produzido segundo esta filosofia e é um dos vinhos mais famosos e caros do mundo.

Voltando à prova...

A convite da Vinalda, a distribuidora de bebidas mais antiga de Portugal e na bonita envolvência do Parque da Cidade do Porto, no Meet, provei e conheci o projeto Biaia.

O projeto apresentado pelo Ricardo agradou-me em diversos aspetos. 
Para começar, é de uma região mal amada nas cartas de vinhos, a Beira Interior. Principalmente estes, que demonstram a filosofia vínica inusitada do enólogo. Este enólogo, entre outros que um dia referenciarei, é responsável por esta minha paixão — o vinho!
Segundo ponto, estes vinhos da região da Beira Interior não precisam de sulfurosos e correções. Independentemente de obterem certificação, são na sua essência biológicos.
Terceiro ponto e já referido, são vinhos com assinatura do enólogo Luís Leocádio. A gama divide-se em três: Biaia — dois blends, um branco e um tinto, 750 — 3 vinhos brancos monocastas, um rosé e um tinto, Reserva um monocasta branco e blend tinto, Fonte da Vila — um single vinyard e um colheita tardia. Vou salientar os meus preferidos.

Notas de prova do meu Livrinho

Começo pelo 750 metros de Altitude,  Arinto, 2019, um vinho produzido monocasta, com 12% de volume de álcool e servido à temperatura de 13ºC. É um vinho biológico, límpido e pálido. No nariz,  sente-se a sua parte herbácea, vegetal e os aromas próprios da fermentação maloláctica. Na boca, é um vinho seco, com uma acidez viva, com um corpo presente, gordo e saboroso, com memórias de limão e uma ligeira rugosidade de taninos.
A casta Arinto tem uma película grossa,
e para ter este estilo, o Luís faz uma prensagem longa e lenta, para conseguir extrair todos os componentes que dão a estrutura a este vinho. Para ainda o diferenciar mais faz uma batonage imensa com borras finas. Tem um PVP de 9,90€ e vale a pena beber. PVP 9,90€

750 metros de Altitude,  Síria, 2019 é um vinho que estagia oito meses em barricas usadas. Esta casta autóctone da região aparece aqui com um perfil completamente diferente do usual, com um nariz engraçado a toranja. Na boca mostra-se seco, ácido, vivo e com toques cítricos que remetem para a toranja e um pouco de laranja. Tem nuances de água tónica e de especiarias. PVP 9,90€

Para terminar a trilogia de monocastas, chega o 750 metros de Altitude,  Chardonnay, 2019. Um vinho com aromas doces, que fazem lembrar gomas e algodão doce. Na boca sente-se a muita acidez e frescura que casam com as notas verdes do sabor herbáceo e a cor rosa do algodão doce. Surpreendente. PVP 9,90€

O Quinta da Biaia, Reserva 2019 é um vinho produzido com uvas de dois talhões específicos, o 7 e o 8, e são as vinhas mais antigas da Biaia. As uvas da casta Síria tem bagos grandes, e é uma vinha que evolui lentamente devido ao clima do sitio onde se encontra, de manhã é frio, de tarde é calor e à noite regressa o frio. Fermenta e estagia dez meses em barricas novas de carvalho francês (75%) e barricas novas de carvalho húngaro (25%). Límpido e de cor um pouco mais carregada que o vinho anterior, no nariz tem notas delicadas e doces a toranja. Na boca, a característica mais ponderada é a acidez vibrante. É um vinho elegante e equilibrado que beber e experimentar daqui a um ano. PVP 19,00€

O 750 metros de Altitude Tinto, 2018 é um blend das castas com 60% de Touriga Nacional, 30 %de Touriga Franca e 10% de Rufete. Este vinho velvet que pode ser bebido sem necessitar de comida tem um nariz mentolado e com alcaçuz. Na boca, a secura e acidez muito equilibradas evidenciam a cremosidade  a resina, as folhas de tabaco e o alcaçuz. PVP 9,90€

O Fonte da Vila Branco 2017 é um vinho produzido com uvas da casta Síria escolhidas e colhidas de uma vinha com trinta anos onde coexistem uvas brancas e tintas. Um vinho muito aromático, com estágio de trinta meses em barricas novas, com notas de pastelaria. Interessante! A boca fica cheia. Com uma acidez incrível, é cremoso, gastronómico, herbáceo e especiado & especiado, destacando sabor e perfumePVP 35,00€

Fonte da Vila Tinto 2015 é um vinho produzido com uvas da vinha velha. A fermentação e estágio de 50 meses ocorre numa barrica nova de carvalho francês. Quando se deita no copo nota-se a estrutura e a lagrima gorda. No nariz sente-se cedro, flor de laranjeira, fruta madura e especiarias. Na boca um vinho seco, muito ácido, cremoso, e taninos vivos, onde nada na boca fica indiferente. Sente-se a fruta preta ainda verde.

Para terminar, o Late Harvest Síria 2017. Um vinho com aromas a Outono emaças meladas na árvore. Tem o querido Botritis Cinerea, o fungo que faz perfurações muito finas na casca das uvas, permitindo que grande parte do seu sumo evapore. Esse processo causa desidratação e aumenta a concentração de sabores, açúcar e acidez. Assim este vinho tem cento e quarenta gramas de açúcar por litro e acidez total de sete gramas. Tem aromas selvagens e sabor imenso a maça em compota, madura e deliciosa. A cremosidade, a resina e a doçura equilibrada fazem querer beber mais e mais.

Neste Natal, a Biaia e a Vinalda vão lançar um pack dos monocastas do 750, que sugiro que comprem. 

Como sempre — Enjoy, please!


Até breve

Menina do Livrinho . wine


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