Coronavirus – Caso de Estudo sobre a Nova Pandemia
A Covid-19
é uma doença infeciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2 (Síndrome Respiratória Aguda
Grave – Coronavírus 2) e reacendeu um revés que a nossa sociedade não tinha
desde a gripe espanhola de 1918. Pode ser uma memória distante, mas a gripe
espanhola vitimou 50 milhões de pessoas, o equivalente a 200 milhões hoje e
três vezes o número de soldados que morreu durante os quatro anos da Primeira
Guerra Mundial (1). Neste ensaio, pretendo refletir sobre as características
que levaram a que o SARS-CoV2 tenha sido considerado uma “Emergência Global de
Saúde Pública” pela OMS e o que está atualmente a ser feito para detê-lo. A
possibilidade do vírus se tornar uma calamidade tão letal quanto a gripe
espanhola ainda está de pé.
Primeiro,
é crucial entender quais as características de SARS-CoV-2 o tornam tão
dramático. O vírus pertence ao género Coronavírus, que inclui membros que
infetam regularmente os seres humanos, como algumas constipações (cerca de 10-15%,
2) e vírus notavelmente perigosos, como SARS e MERS, capazes de matar 10% e 35%
das suas vítimas, respetivamente (3). No entanto, o vírus da Covid-19 possui
atributos que o diferenciam de todos os outros membros. Por um lado, é menos
contagioso do que as constipações, embora muito mais perigoso. Por outro lado,
não é tão mortal quanto o SARS e o MERS, mas uma pessoa pode transmiti-lo com
ausência ou leve sintomatologia, algo bastante incomum para os outros dois
vírus. Esta última característica foi uma ferramenta crucial na contenção nas
epidemias de SARS e MERS, uma vez que o pessoal médico podia isolar os doentes
quando começavam a exibir sintomas, que coincidia com a altura em que ficavam
contagiosos.
Na
situação do novo coronavírus, os sintomas são facilmente confundidos com viroses
pouco severas e, assim, podem passar desapercebidos na população até haver um
número elevado de casos, como aconteceu em Itália e em diversas outras regiões.
Citando o conceituado imunologista Anthony Fauci, “em infeções, particularmente
infeções respiratórias, quão mais eficiente for um vírus a propagar-se, menor
número de casos fatais terá. É por isso que o surto da gripe H1N1, em 2009, não
foi considerado uma pandemia particularmente grave. O vírus espalhou-se muito,
muito bem, mas a sua taxa de mortalidade foi bastante reduzida." Nesta
entrevista, Fauci alertou que havia exceções à regra, como a já referida gripe
espanhola de 1918, que era consideravelmente contagiosa e fatal. Cem anos
depois, deparamo-nos com outra exceção. Contudo, estes dados não são um indício
que SARS-CoV-2 seguirá as pegadas da gripe espanhola, uma vez que o mundo
avançou, não está assolado pelas condições deploráveis da Grande Guerra e
possui meios mais eficientes para lidar e conter pandemias.
Relativamente
às rotas de transmissão de SARS-CoV-2, ainda não são totalmente conhecidas. Acredita-se
que as pessoas infetadas espalhem a doença principalmente por gotículas de
saliva enquanto espirram, tossem e falam e por fómites (qualquer objeto capaz
de transferir o vírus de um doente para um novo hospedeiro). Como mencionado, a
reduzida sintomatologia de algumas pessoas predispõe-nas a transmitir a doença
sem se aperceberem que têm Covid-19, além de que diversos estudos indicam que o
vírus é capaz de sobreviver em superfícies por vários dias (mais de 3 dias em
plástico/aço inoxidável, até 4 horas em cobre e 24 horas em cartão) e em
aerossol por até 3 horas (4). Outras formas de transmissão, apesar de menos
comuns, podem ser por contato com sangue, matéria fecal e urina contaminados (5).
Sucintamente,
a progressão da Covid-19 varia desde a ausência ou surgimento de sintomas
inespecíficos (como febre, fadiga e tosse seca) até condições potencialmente
fatais, como pneumonia grave, síndrome do desconforto respiratório agudo, sepses
e falência de vários órgãos (6). A Covid-19 é especialmente grave para idosos e
indivíduos com diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão ou cancro (7
& 8). Os homens são mais suscetíveis à doença, provavelmente por as
mulheres terem um sistema imune mais robusto (9, 10, 11 & 12).
Informações
recentes da OMS sugerem que a 'taxa bruta de mortalidade' do Covid-19 é de
cerca de 3 a 4%, dependendo da qualidade do sistema de saúde, da idade média da
população, entre outras variáveis (7). É de salientar o quão cautelosa a OMS aplica
o termo 'bruto', pois dados recentes indicam que a taxa de mortalidade pode ser
muito inferior à atualmente estimada e há duas razões principais para o efeito
(13 & 14). Primeiro, reconhece-se que algumas pessoas não desenvolvem
sintomas severos de Covid-19. Consequentemente, muitos casos leves podem não
ser numerados. A título de exemplo, um estudo chinês mostrou cicatrizes nos
pulmões de um paciente contagioso com o novo coronavírus, embora ele não
apresentasse sintomas. O diagnóstico foi confirmado: pneumonia assintomática
por Covid-19 (15 & 16). Um outro exemplo é um homem de 27 anos do cruzeiro
japonês. Foi confirmado que ele estava infetado com Covid-19 e que havia
apresentado sintomas gripais por quatro dias; no entanto, o estudo concluiu que
ele permaneceu contagioso por mais de duas semanas (17). Estudos posteriores
são necessários para corroborar e determinar a ocorrência de tais situações,
contudo, fica demonstrado uma das características que podem estar a dificultar
a contenção da pandemia.
Dadas as
informações e os casos discutidos, a eficácia das quarentenas implementadas por
vários países pode ser questionada. A China foi certamente bem-sucedida com o isolamento,
mas deve enfatizar-se que os chineses estão mais acostumados a seguir os
cuidados para impedir a propagação de vírus e, mesmo assim, interromperam a sua
economia para conter o SARS-CoV-2. A NASA informou recentemente que as emissões
de gases venenosos para o meio ambiente haviam diminuído drasticamente na China
devido à quarentena do país (18, e, há poucos dias, em Itália). O esforço do
povo chinês parece ter sido gratificante, porém, o enigma permanece: terá sido
suficiente para impedir que o vírus os ameace novamente?
Devemos
considerar profundamente a questão anterior antes de ponderar suspender por
completo a economia da Europa, uma vez que uma nação falida é imensamente mais débil
a enfrentar uma pandemia. É certo que o governo português já mediou tais
consequências e procurou o melhor equilíbrio entre conter a doença e manter
minimamente a sustentabilidade do país, como enunciou o estimado Presidente
Marcelo Rebelo de Sousa: "Só se salvam vidas e saúde se, entretanto, a
economia não morrer”.
Para
responder ao dilema corrente e tendo em conta que as previsões mais otimistas
para a obtenção de uma vacina predizem pelo menos um ano de distância, os
cientistas também devem determinar se os pacientes que superaram a Covid-19 são
imunes a reinfeções pelo vírus. Caso se confirme, a abordagem do Reino Unido de
imunizar naturalmente a população pode ser uma solução realista. Claro que,
para tal fim, as pessoas incluídas nos grupos de maior risco devem evitar a
exposição, como o governo inglês tem sugerido e implementado.
Por fim,
estudos futuros devem ainda concentrar-se em várias incertezas sobre o
Covid-19, especialmente se é possível e plausível contê-lo a longo prazo, clarificar
a taxa de mortalidade média e definir tratamentos medicamentosos para superar
os piores sintomas do vírus (já há alguns em fase experimental).
Luís Telles do Amaral
Academic
English Reading and Writing
19/03/2020
Referências
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Muito bom artigo! Simples, muito informativo e bem escrito.
ResponderEliminarParabéns Luís Telles do Amaral!
Profundo, assertórico e fácil de compreender.
ResponderEliminarE num blog de vinho!
Informação de qualidade nunca é demais, mesmo num blog de vinhos! Obrigada Luís
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