A Casa de Cello e a fermentação dos mostos

Mais um ano nesta quinta,
Casa de Cello, em que os vinhos têm a primazia de serem — fruto da filosofia do dono João Pedro Araújo —, vinhos honestos. Este pretende que os seus vinhos sejam conhecidos pelo que oferecem, daí a escolha de nomes originais que aparecem nos rótulos, como é o caso de Terroir Mineral, Solo Franco, Lote, entre outros, e que nos levam para o universo da terra e da natureza. 
A visita em Cello mostrou-me vinhas a caminhar para o descanso, o repouso vegetativo. Apreciei o acastanhar das folhas das vinhas de uvas tintas e o amarelar das folhas das uvas de vinhos brancos. A Casa de Cello, é o coração do projeto. À sua volta crescem alegremente as vinhas das castas Arinto, Alvarinho, Avesso, Trajadura, Malvasia Fina e Loureiro, que pertencem à Quinta de Sanjoanne.

Chegadas à adega, a Tatiana Vale, a eterna apaixonada pela casa, e uma das caras do projeto contou-me que tinham semeado uma vinha infértil a forrar as paredes exteriores da adega, construída 
na continuação da Eira de pedra existente na quinta, para 
baixar a sua temperatura interior.
O que me cativou a atenção foi o aroma do ar. Era fermentativo, vivo, odoroso... Nas cubas por lá espalhadas, havia castas distintas em diferentes períodos de fermentação que cheirei e provei. 

Um pouco de história para winephilos| A fermentação

A fermentação é o fenómeno onde o açúcar das uvas esmagadas, a que se chama mosto, se transforma em álcool.
É muito comum que, durante a vindima, os viticultores avaliem a qualidade das suas uvas e dos seus mostos pela percentagem de açúcares concentrados na maturação (amadurecimento). Quanto mais açúcar as uvas possuírem, maior será o seu valor comercial, pois dará um bom teor alcoólico no vinho.
O açúcar existente no mosto é composto, entre outras coisas, por glucose  e frutose ( os açúcares fermentáveis da uva) e leveduras, que reagindo dão início à fermentação.
Com o início da fermentação, pela atividade das leveduras, o mosto turva, aquece e começa a libertar bolhas.

Lavoisier (1743-1794), o pai da química moderna, que morreu guilhotinado, disse através da observação desta reação (entre outras observações e estudos), que "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" por ação do oxigénio. 
Mais tarde, Pasteur (1822-1895) contestou a teoria da geração espontânea de Aristóteles (384A.C.-322A.C), ao perceber que a ação das leveduras era um processo orgânico em vez de químico, ou seja, o processo dependia de microrganismos.
Resumidamente, o vinho e o seu processo de vinificação são parcialmente responsáveis pela evolução da química e da biologia.

Normalmente, as leveduras usadas na vinificação são leveduras autóctones — as existentes no interior da uva — embora por vezes, e por diversos motivos, se acrescentem ao mosto leveduras comerciais. 
Estas últimas são leveduras cultivadas com características determinadas, como por exemplo, aumentar o teor alcoólico, a produção de um aroma particular, entre outros.

Um pormenor interessante é que as leveduras precisam de 17,5 gramas por litro de açúcar no mosto para produzirem 1% de álcool, o que significa que, por exemplo, para um vinho ter 14% de álcool, é necessário cerca de 245 gramas por litro de açúcar.
Durante a fermentação há libertação de calor, e a temperatura na qual o processo decorre interfere no resultado final do vinho. Temperaturas entre 24ºC e 32ºC melhoram a extração de compostos da casca da uva tinta, resultando em vinhos tintos com maior concentração fenólica, ou seja, mais corpo e cor. As uvas brancas fermentam entre 14ºC e 18ºC, obtendo-se um vinho branco com aromas mais finos e elegantes.
Para temperaturas abaixo de 13º/14ºC, o arranque da fermentação é quase impossível de acontecer. E, para temperaturas superiores a 35ºC, as leveduras param e morrem.
O controlo da temperatura na fermentação é, assim muito importante. Exige uma atenção rigorosa por parte da equipa de enologia, por vezes sendo necessário instalar cintas térmicas em volta dos tanques, ou colocar serpentinas no seu interior, para que circule um fluído refrigerante, e assim baixar a temperatura.

De uma forma natural, a fermentação finaliza quando os açúcares do mosto acabam. Isto significaria que todos os vinhos teriam baixo teor de açúcares no final do processo. Há diferentes estilos de vinhos em que alguns possuem teores de açúcares elevados. Para que isso aconteça, é necessário interromper o trabalho das leveduras.
Pode fazer-se isso de diferentes métodos. Um dos mais comuns é filtrar o mosto e retirar as leveduras, o que finaliza a fermentação. 
Um outro método é o aumento ou diminuição da temperatura. Se aumentar a temperatura, matam-se as leveduras, ou  se reduzir, cessa-se a fermentação. Contudo, a temperatura elevada prejudica os aromas do produto e a temperatura baixa não mata as leveduras, apenas as hiberna. A fermentação é um dos trabalhos mais exigentes para o enólogo e a sua equipa de enologia, e todos os parâmetros tem que ser levados em consideração, juntos, e minuto a minuto. Este processo é dos mais importantes na obtenção de um Bom vinho.

A fermentação da uva abrange muitos detalhes, e aqui tentei focar alguns.

Voltando à visita...

Durante a fermentação dão-se mais de trinta reações químicas, com diferentes enzimas, "as ferramentas" das leveduras, e o mosto apresenta estágios diferentes. Foi nestes diferentes momentos que retirei amostras de cuba para cheirar e analisar.
Uma amostra era ainda "Sumol de ananás", como brinquei na altura, pois era o que me recordava a sua prova. Outros tinham demasiado bolhinhas, outros demasiado opacos, outro (que provei!) cheirava a ovos e couves cozidos, ughhh...

Foi interessante ver e aperceber-me dos diferentes estágios do mosto até ser vinho.

Para terminar em glória, provei os vinhos da colheita nova da prova que apresentei em "Hoje o mimo é...", a 20 de setembro de 2020.

Depois da visita à Quinta de Sanjoanne e à Casa de Cello da região do Vinho Verde, subimos à sala de prova onde degustei com a Tatiana, os vinhos da Quinta da Vegia, o projeto que possuem na região do Dão e onde a filosofia se mantém.

As notas de prova do meu Livrinho

O primeiro vinho que provámos foi o Quinta da Vegia Solo Franco 2016.
O aspecto deste vinho do Dão é límpido e de cor rubi escura. 
No nariz, sente-se a frescura da fruta escura. Este vinho com 4 anos tem uma intensidade aromática média alta.
Neste ano, o blend de castas foi feito com Touriga Franca (50%), Touriga
Nacional
(40%), e Tinta Amarela (10%). Na boca é um vinho seco, com uma acidez presente, taninos vivos e médios. O grau alcoólico está em 14%, e encontra-se bem integrado. É um vinho com o PVP de 8€, de boa intensidade, corpo médio, fruta vermelha madura e final feliz. É sempre uma aposta segura quando o vejo num cardápio, ou nas prateleiras de uma garrafeira.

O segundo vinho provado foi o Quinta da Vegia Lote 2017.
Considero-o mais elegante que o anterior, e as castas usadas naquele ano foram Tinta Roriz (60%) e Touriga Nacional (40%). O nariz de intensidade aromática média alta, remete o seu aroma para fruta preta.
O seu PVP é de 15€, com taninos mais elegantes, a acidez mais equilibrada e os aromas deliciosos para se se quiser acompanhar umas entradas ou uma boa conversa.

Uma casa que gosto de acompanhar e que me recebe sempre bem. 

Chim chim, Cello!


Até breve


Menina do Livrinho . wine


 Legenda de cores: termos técnicos - verde; castas - preto bold; vinhos - azul


Comentários

Relembrando o início | Quinta da Casa Amarela Para sempre ... Vintage 2017 | Port Wine Day Dia 1 | aMar Matosinhos Cliff Richard no Copo | Vida Nova Paixão de Patrícia | Rosa da Mata menina do livrinho